domingo, 27 de dezembro de 2009

Do suicídio (Osvaldo)


Boas referências ao tema também se encontram no livro "O mito de Sísifo" de Camus, que ao meu ver também é de maior compatibilidade e congruência ao tema por se tratar de uma abordagem existencialista. Na obra ele também começa citando que só existe um problema absolutamente sério e este é o suicídio, e cita também a questão do "absurdo", uma ótima literatura, embora às vezes um tanto prolixo demais.
Penso antes de qualquer coisa que devemos nos certificar das causas medicinais, da psiquiatria, que hoje claramente "diagnostica" um ímpeto de vontade suicida se o mesmo for de ordem de desajustes bioquímicos e advindos de estados depressivos profundo; pois qualquer banalidade que não seja de ordem "existencial" também é motivo de depressão.
Creio que o homem moderno mais do que nunca se defronta com estados de "lampejos" frequentes acerca de sua existência; e isto se dá ao fato da saída de um estado contemplativo em oposição ao mergulho puramente racional dos menos preparados a viver suas vidas sem um auxílio metafísico, no sentido da garantia do determinismo do homem e seu post mortem.
O homem vive cada vez mais cercado de estímulos que o leva a um foco fora de si; o hedonismo não é um "amuleto" de auto-suficiência que corrobora com a sensação de bem estar permanente, e até lembrando da metafísica da vontade de Schopenhauer quando este cita a efemeridade dos desejos humanos.
Pois bem, então penso que é dado um momento de nossas vidas, ou vários deles, que nos assombramos com o sentido da própria existência independentemente de sermos filósofos, religiosos ou cientistas. Mas pior ainda é quando hoje estamos envoltos de uma realidade social que não se explica em si mesma; o homem passa a ser seu pior inimigo, resultado de um movimento histórico do absoluto almejo do "fora-de-si" ontologicamente dizendo.
A consciência do homem enquanto ser social, gregário, e constituinte de seu próprio meio, desvirtuou-se ao longo do tempo no sentido de negação de si mesmo em auto-análise.
Sempre se tratou o suicídio apenas como um fenômeno social, mas penso que ao contrário, trata-se da relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto desses se prepara no silencio do coração como uma grande obra.
Começar a pensar é começar a ser atormentado. A sociedade não tem muito a ver com esse começo, a não ser pela promoção dissociativa do homem de seu meio que o torna cego à questões mais pragmáticas de seu cotidiano, porém, não obstante, penso que exista uma má sinergia do homem contemporâneo entre o pragmatismo enquanto cumprimento de seu papel social e uma má fé no mesmo quando este deveria ser antidogmático.
Há vários motivos para o suicídio, em sua maioria motivos "superficiais". A noção de "Absurdo" que trata Camus, do "Nada", da "Angústia" e "Inautenticidade" de Sartre, são interpretados com má fé ou concebidos tardiamente e equivocadamente.
Raramente alguém se suicida por reflexão. O que desencadeia a crise é quase sempre incontrolável. Torna-se então difícil o instante preciso, o percurso sutil que o espírito apostou na morte, é mais simples extrair do gesto em si as conseqüências que ele supõe.
Matar-se, em certo sentido, é como um melodrama; confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos, que isto "não vale a pena".
Penso que viver, de certa forma, não é fácil, mas refutar a vida em meu conceito é um ato de covardia. Continuamos fazendo os gestos que a existência impõe por muitos motivos, o primeiro dos quais é o costume, de um caráter ridículo, ausência de um motivo profundo, de caráter insensato da agitação cotidiana e a inutilidade do sofrimento.
O "Absurdo" existencial talvez ocorra de forma mais clara no confronto da razão que é insuficiente para o homem formular todos os aspectos existenciais e volitar em diversas hipóteses, pressuposições e proposições da mesma. É dado ao homem em sua grande maioria se apegar a uma "fé" somente que lhe norteie a vida.
Permanecendo ainda em uma questão existencialista, penso que o homem deve rejeitar o suicídio na medida em que assume um estado de revolta e aceita o caráter absurdo da vida, de forma "suficiente", aceitando suas contingências.
Schopenhauer parte de um caráter mais profundo porque sai de um fundamento metafísico, da doutrina da negação do querer viver É estranho o fato de Schopenhauer "negar" o ato suicida tendo em vista toda uma analogia ao niilismo passivo e ressentido em relação à vida, se fizermos um certo correlato, ele e Camus de certa forma comungam com algumas coisas; pois me parece que para um schopenhaueriano a vida também é absurda, mas seu caráter é menos denso do que para um ateísta que não acredita em uma metafísica que seja, mesmo que de cunho pessimista.
Não poderia deixar de finalizar com Nietzsche quando ele cita o "amor fati", o niilismo ativo:
"Ninguém pode construir em teu lugar as pontes que precisarás passar, para atravessar o rio da vida - ninguém, exceto tu, só tu.
Existem, por certo, atalhos sem números, e pontes, e semideuses que se oferecerão para levar-te além do rio; mas isso te custaria a tua própria pessoa; tu te hipotecarias e te perderias.
Existe no mundo um único caminho por onde só tu podes passar.
Onde leva? Não perguntes, segue-o!"
A vida exige que se enfrente sofrimentos, incógnitas e obstáculos sem fim, entretanto, ela é cheia de mistérios e tesão que, inexoravelmente, nos fazem até estarmos aqui debatendo estes temas, ao menos por enquanto; pois não nos esqueçamos que podemos dizer não a tudo isto e viver ordinariamente.
Não vamos também nos esquecer do suicídio mental, que é um problema de maior cunho iminente.
Bem, o termo suicídio mental ou intelectual me veio como insight na hora que escrevia o texto do tópico aqui,
Eu penso que toda fuga que o homem possa ter referente a sua condição enquanto "ser-no-mundo", se traduz como um suicídio intelectual, da aquisição de valores fúteis e volatilidade se si e de teorias, em detrimento de sua razão frente a ilusões adquiridas e vivenciadas "ipsis-litteris" dos fenômenos dados à consciência.
Ao se discutir a questão do sentido do ser, a fenomenologia compreende a verdade com um caráter de provisoriedade, mutabilidade e relatividade, radicalmente diferente do entendimento da metafísica que pressupõe uma condição estável e absoluta.
Esta é uma das razões de dizer que a fenomenologia é uma postura ou atitude, um modo de compreender o mundo, e não uma teoria, um modo de explicar.
Isso em ultima análise, representa o rompimento do clássico sujeito/objeto.
Para além desta minha menção acima, podemos no referir às marteladas de Nietzsche no quesito temporalidade de conceitos e desnivelamento intelectual do homem.
A coadunação do homem com o sistema vigente e a hiper realidade, sem a desconfiança mínima de um caráter malicioso que jaz por detrás disto, o leva ao ordinário, se locupletando no trivial e banal. Desta forma o homem se conforta em um estado de realidade "forjada", um simulacro, que deleta de sua mente quaisquer resquícios de crítica mediante tais fatos; sua racionalidade é também volátil e tende a dar as mãos com a melhor e menos custosa das aquisições enquanto objetos para o sujeito, uma zona de conforto intelectual que se resume na imbecilidade do ser humano.
Viver autenticamente é viver na plena consciência da nulidade do próprio ser, e plena consciência da nulidade significa estar certo de que nosso futuro é a morte.
De fato nossa "natureza" também é nada até que um caráter é escolhido. Somente desse modo podemos viver autenticamente em termos existencialistas.
Voltando ao assunto do suicídio, penso que indubitavelmente o homem é assolado por este fantasma do "Nada", ou um estado de ansiedade e angústia.
A ênfase de Nietzche no papel fundamental da "vontade" fornece a base do pensamento existencial, uma filosofia de "liberdade" desejada e o inescapável fato da escolha humana mediante a nulidade, e a fenomenologia visa uma austera inspeção dos conteúdos lógicos da mente, que Heiddeger usa para investigar estados extremos de ansiedade, preocupação, autenticidade e o nada.

Um comentário:

  1. Excelente texto! Parabéns!
    Entendo Schopenhauer: o suicídio seria a vitória da Vontade; a resistência ao não-querer-viver, apesar da aparente contradição, é que representa de fato a sua negação. Devemos, isto sim, durante a vida, criarmos as condições para o triunfo sobre a Vontade. O suicídio apenas nos remeteria de volta ao ciclo da vida.
    Abraços

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